A Vanguarda Audiovisual que surge nos primórdios da
Pós-Modernidade tem como um de seus principais pilares o trabalho singular e
subversivo do californiano Kenneth Anger. Nascido em 3 de fevereiro de 1927, na
cidade de Santa Monica, Anger sempre esteve na vanguarda. Já no curta
FIREWORKS, de 1947 somos transportados para um delírio em Preto e Branco onde
se desenrola a onírica e sangrenta trama de um homem fascinado pela figura de
um marinheiro, fetichismo remetente ao universo de Jean Genet. Numa grande
ousadia para a época vemos o encontro brutal entre esses homens com alegorias
perturbadoras de sangue e esperma que deixam muito clara a total falta de
concessões que Anger tem com relação ao seu espectador. Sua arte tem o
distanciamento sagrado das grandes Obras que nascem antes de seu tempo e
possuem um grande poder de permanência.
Com o passar do tempo Anger experimentou várias
estéticas, sendo influenciado pelas vanguardas artísticas vigentes, como a Pop
Art e sua obsessão por elementos tipicamente norte-americanos como a adoração
por motocicletas e automóveis. O auge dessas obsessões surge em trabalhos como
SCORPIO RISING. A fetichista figura do motoqueiro, do mecânico e de outras
representações do gênero masculino absoluto são bem características da estética
Queer Pré-Stonewall e “grudentas” canções do Pop/Rock da época sublinham muitas
dessas imagens. Em meio a trabalhos de rara beleza que antecipam muitas
propostas da posterior Vídeo Arte e dos filmes específicos para instalações,
como no caso do monocromático EAUX D’ARTIFICE, de 1953, começam a surgir
indícios de que Anger pretendia trabalhar com representações do paganismo, em
um diálogo com a nascente cultura psicodélica e da onda de ocultismo que
pairava no ar.
Surge então o resultado de uma parceria com os famosos
amigos da época. Um deles: Mick Jagger, que na época já mostrava sua “Simpatia
pelo Diabo”. O resultado desse encontro de Anger com o eterno vocalista dos
Rolling Stones é o belo e perturbador curta-metragem: INVOCATION OF MY DEMON
BROTHER de 1969. Anger captou as imagens que foram realçadas por uma muralha
sonora minimalista composta por Jagger. Vemos três imagens iniciais de grande
força simbólica: Três pontos amarelos, o rosto de um jovem albino e o corpo
despido de um homem sentado entre a semiescuridão segurando um punhal. A
representação da Tríade é um elemento de grande força filosófica dentro do
ocultismo. O rito configurado na imagem do homem que leva o punhal em direção a
própria garganta se encaixa na contemplativa figura do jovem albino e inicia um
transe de imagens saídas de uma viagem de LSD, no caso do curta uma “saudável
Bad Trip”. Corpos desnudados surgem em meio a imagens fragmentadas e desfocadas
em um crescendo de cenas onde a tensão cromática do vermelho começa a tomar
conta da tela. As imagens estilizadas de um ritual de invocação começam a
surgir em um êxtase que culmina com a aparição de uma figura que remete a
representação clássica do Diabo, com chifres e olhar penetrante. O “Irmão
Demônio” foi invocado e com isso Anger encerra seu curta-metragem.
O conjunto de imagens satânicas jogadas na tela
aparentemente não tem um sentido único. Como toda Obra de Arte genuína elas
representam o mistério, os subterrâneos do inconsciente, os medos e desejos
reprimidos e primitivos. Anger com esse curta parece ter experimentado, além de
uma brutal ruptura estética em sua obra, uma série de elementos para sua grande
Obra-Prima que seria feita posteriormente; LUCIFER RISING. As imagens
granuladas e desfocadas podem ser observadas em trabalhos posteriores de outros
importantes artistas de vanguarda como Derek Jarman, em filmes como A
CONVERSAÇÃO ANGÉLICA. Como efeito estético retrô, esse maneirismo das imagens
desfocadas e fragmentadas pode ser observado em vários filmes e vídeos musicais
até hoje. O projeto de LUCIFER RISING teve uma série de polêmicas durante sua
realização e o próprio Anger tem duas datas oficiais para sua realização.
LUCIFER RISING foi rodado em 1972, com locações na
Islândia, de onde foram captadas as imagens dos vulcões em atividade, no Egito,
nas ruínas de Stonehedge e em uma antiga fortaleza alemã. A polêmica com
relação ao ano oficial da produção está na figura do autor de sua
trilha-sonora: Bobby Beausoleil, que tinha um caso com Anger na época e que
havia sido preso por suas ligações com os seguidores do Sr Charles Manson. Na
edição recente em DVD dos filmes de Anger o ano oficial de LUCIFER RISING é
1981, por causa desse “detalhe jurídico” ligado ao autor da excelente
trilha-sonora do filme. No elenco aparece em destaque absoluto a Musa Marianne
Faithfull, vivendo a lendária Mãe das Trevas: Lilith. Marianne quase foi presa
durante as filmagens no Egito por posse de heroína. As imagens dos vulcões seguidas
das imagens mitológicas de Ísis e Osiris como senhores do tempo iniciam um novo
transe onde vemos um desfile de imagens que transportam o espectador por um
labirinto de imagens onde signos do ocultismo se mesclam com as imagens
sagradas do Vale dos Reis no Egito, nas ruínas de uma antiga fortaleza alemã
que chegou a ser usada pelos nazistas até o circular e delirante cenário mágico
onde vemos entre outras figuras o Sr Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin.
Outra figura de destaque é Chris Jagger, irmão de Mick. As cenas de Marianne
Faithfull como Lilith vagando pelas ruínas egípcias só não é mais delirante do
que a aparição de discos voadores sobrevoando o Vale dos Reis, em um efeito
criado por Wally Veevers, colaborador de Stanley Kubrick em 2001 – Uma Odisséia
no Espaço.
LUCIFER RISING é um delírio visual único que até hoje
impressiona os espectadores com a força espiritual de suas imagens. É
impossível ficar indiferente aos seus trinta minutos de duração. Ainda lúcido e
muito falante, Anger esteve presente em uma Mostra de Cinema em São Paulo em
2007, ao lado do britânico Peter Greenaway, em um evento pouco lembrado e
reverenciado por muitos críticos tupiniquins. Seus filmes foram exibidos e uma
série de debates foram feitos, ricamente ilustrados pelo próprio Anger, dono de
uma invejável memória. Mestre da Primeira Geração da Vanguarda Audiovisual da
Pós-Modernidade, Anger, ao lado de outros artistas criou uma obra onde a experimentação sempre
esteve presente ao lado de um grande desejo de provocação, de quebra de
paradigmas estéticos, cada vez mais raros nas burocráticas e repetitivas
manifestações artísticas vistas nas últimas Bienais de Arte, salvando-se raras
exceções. é claro.
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